Hoje em dia, são muitos os projetos que tentam fundir as máquinas com o cérebro humano. Esse ano, tanto o Facebook quanto o eterno entusiasta Elon Musk anunciaram planos para interfaces cérebro-computador que podem nos permitir ler os pensamentos dos outros e melhorar nossa capacidade de aprendizado. A US Defense Advanced Research Projects Agency (DARPA) anunciou planos para gastar US$ 65 milhões desenvolvendo implantes neurais avançados que conectam nossos cérebros a computadores para tratar deficiências sensoriais como a cegueira.
O programa Neural Engineering System Design nos dá um vislumbre sobre que tipo de conquistas podem realmente ser plausíveis usando interfaces neurais. O programa irá financiar seis equipes de pesquisa diferentes, incluindo duas que procuram restaurar a visão usando diodos emissores de luz, uma que planeja decodificar a fala usando sensores “neurograin” e outra que utiliza microscópios holográficos para detectar atividade neural que eventualmente pode substituir a visão perdida, ou atuar como uma interface para controlar um membro artificial.
No final do programa de quatro anos, o objetivo é ter protótipos funcionais capazes de transmitir dados entre o cérebro e os computadores, mas provavelmente vai levar um bom tempo até que esses dispositivos estejam prontos ou tenham aplicações comerciais ou clínicas.
“Vai levar um tempo até que a ciência médica nos permita crescer novos olhos ou reparar uma medula espinal quebrada, mas, ao vincular cérebros a computadores, será possível alavancar dispositivos digitais para restaurar a funcionalidade de partes danificadas do corpo”, disse Matthew Angle, cuja empresa, a Paradromics, Inc., recebeu uma concessão da DARPA. A empresa de Angle está pesquisando como usar grandes matrizes de eletrodos de microfios que penetram no cérebro para registrar e estimular neurônios, com o objetivo de construir um dispositivo implantável para ajudar na restauração da fala. Sua empresa pretende começar testes clínicos até 2021.
“Inicialmente, estamos focados no que chamamos de ‘transtornos de conectividade’, o que significa doenças e lesões que destroem ou prejudicam gravemente as conexões sensoriais ou motoras de uma pessoa com o mundo exterior”, disse Angle. “Olhando para a frente, eu imagino que as próteses neurais também poderiam ser usadas para tratar certas doenças neurológicas.”
Não é a primeira incursão da DARPA nas interfaces cérebro-computador. A agência já investiu fortemente em tecnologias de interface cérebro-computador para fazer coisas como tratar doenças mentais e restaurar lembranças de soldados feridos na guerra, esses projetos ainda estão em curso, mas até agora estão a caminho de atingir os objetivos da pesquisa. Mas os objetivos, e a tecnologia, são um pouco diferentes. Ao invés de procurar impactar uma pequena região do cérebro, a fim de afetar um determinado resultado, como o tratamento de TSPT, a agência espera desenvolver uma tecnologia para se comunicar com mais de um milhão dos 86 bilhões de neurônios do cérebro ao mesmo tempo, traduzindo os sinais eletroquímicos do cérebro em uns e zeros que podem ser interpretados por uma máquina.
“Nós vemos um caminho concreto e tecnicamente possível para os cegos verem e para pessoas que não conseguem se mover andarem de novo”, anima-se o pesquisador.
Tal façanha teria inúmeras aplicações terapêuticas, mas também ampliaria significativamente a nossa compreensão da visão, audição e fala e, eventualmente, sim, talvez até nos permita nos comunicar telepaticamente. Na Universidade da Califórnia em Berkeley, por exemplo, uma equipe de pesquisa liderada por Ehud Isacoff planeja desenvolver um microscópio holográfico que use campos de luz para detectar e modular a atividade de até um milhão de neurônios no córtex cerebral. A equipe espera que ele possa criar modelos que prevejam como o cérebro responderá a estímulos visuais e táteis e, em seguida, traduzir esses modelos em padrões que possam transmitir visão ou movimento a alguém que perdeu um desses sentidos com um implante cerebral.
“O objetivo técnico é criar um modem cerebral que possa ‘ler’ a atividade de um milhão de neurônios específicos e ‘escrever’ de volta para um grande número deles padrões de atividade que simulam os naturais”, disse-se Isacoff.
O uso de imagens ópticas, disse ele, pode ser mais eficaz do que técnicas como a estimulação cerebral profunda, que dependem de eletrodos implantados para estimular áreas do cérebro ao seu redor, permitindo aos cientistas atingir regiões extremamente precisas. Dentro de quatro anos, ele disse, eles esperam ter um dispositivo que funcione em animais.
“Esperamos que nosso dispositivo possibilite desbloquear o código neural da percepção sensorial”, disse. “O sucesso nos permitiria gerar os padrões adequados para refletir o que está acontecendo no mundo para permitir que uma pessoa cega veja ou alguém com um braço protético possa controlá-lo melhor por causa do retorno sensorial restaurado.”
Na Universidade de Columbia, uma equipe liderada por Ken Shepard planeja criar uma prótese restauradora de visão para os cegos, estendendo um único circuito flexível sobre o cérebro que pode se comunicar sem fio com um transceptor usado na cabeça.
“O objetivo desta pesquisa é desafiar os limites do que é possível com as interfaces cérebro-máquina, fornecendo um meio para interagir com circuitos cerebrais em uma escala que não foi alcançada ainda”, disse Shepard.
Os desafios, porém, são muitos. Como fazer esse dispositivo sobreviver dentro do corpo? Como processar os dados? Como mapear sinais do cérebro e entender como eles afetam o complexo funcionamento do cérebro? O objetivo da DARPA é que todos os times eventualmente criem tecnologias com aplicações comerciais práticas.
Angle, da Paradromics, advertiu que isso não significa que todos estaremos lendo as mentes uns dos outros em breve. Mesmo daqui a vinte anos, ele suspeita que ainda estaremos nos perguntando sobre como usar esse tipo de tecnologia para ajudar pessoas com doenças físicas e psicológicas. Por enquanto, porém, o foco provavelmente será em transtornos enraizados na incapacidade do cérebro de se comunicar com o corpo, como a cegueira e a paralisia.
“Já existem aplicações médicas suficientes para manter muitas empresas ocupadas por muitas décadas”, disse ele. “Nós vemos um caminho concreto e tecnicamente possível para os cegos verem e para as pessoas que não podem se mover andarem de novo. Essa tem sido uma aspiração humana desde que temos história escrita, e acho que o ponto de mudança irá acontecer na próxima década”, conclui Angle.
Por: José Mulser
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